Moradores organizam protesto por reconstrução e segurança em Canoas

Moradores organizam protesto por reconstrução e segurança em Canoas

Um ano depois das inundações que devastaram Canoas, na região metropolitana de Porto Alegre, moradores seguem mobilizados na luta por segurança e reconstrução. A tragédia de maio de 2024 inundou dois terços da área urbana da cidade e forçou cerca de 150 mil pessoas — mais da metade da população local — a deixarem suas casas. Mesmo com a dimensão do desastre, o sistema de proteção contra enchentes da cidade ainda carece de reformas estruturais, e o impasse entre os governos estadual e federal retarda o início de obras definitivas.

A servidora pública aposentada Cláudia Burtet, moradora do Bairro Fátima — uma das regiões mais atingidas — foi uma das primeiras a se mobilizar ainda nos primeiros dias da crise. “Criamos um grupo, acrescentamos primeiro só os vizinhos da rua, mas aí um foi convidando o outro e o grupo ficou enorme, ganhou grande proporção”, relata. A articulação comunitária resultou na criação da Comissão SOS Bairro Fátima/Rio Branco, que tem atuado com foco apartidário para pressionar o poder público por soluções duradouras.

Nos meses que se seguiram à calamidade, o grupo de moradores ganhou relevância ao denunciar furtos em áreas alagadas e organizar ações de resgate e ajuda humanitária. Agora, a atuação se concentra em exigir a reestruturação do sistema de diques e casas de bomba construído na década de 1970 pelo extinto Departamento Nacional de Obras de Saneamento (DNOS). Com o tempo, essa infraestrutura deteriorou-se e não suportou a força das águas que atingiram Canoas em 2024.

Boa parte da cidade está localizada em áreas baixas e depende diretamente da integridade dos diques para evitar enchentes. “O dique é uma estrutura de engenharia, não é um amontoado de terra. Quando se altera sua forma original, seja com cortes para rodovias ou construção de muros, ele perde sua resistência”, explica Fabio Fanfa, engenheiro agrônomo, perito judicial e integrante da comissão de moradores. Ele elaborou um laudo técnico denunciando que as obras da BR-448 interferiram negativamente no talude do dique que protege os bairros Fátima, Rio Branco e Mathias Velho.

As intervenções emergenciais vêm sendo executadas com recursos próprios da prefeitura, mas são insuficientes. A cidade já investiu R$ 70 milhões na construção de um novo dique no bairro Mato Grande e na reparação de rompimentos em outros pontos. No entanto, o prefeito Airton Souza alerta para os limites dessa atuação. “Acreditamos que somos a primeira cidade a ter as obras projetadas, licitadas e em andamento. Mas isso tem um limite. Os recursos próprios [não dão conta]”, afirma.

Apesar da criação de um fundo federal de R$ 6,5 bilhões para a reconstrução do estado, Canoas ainda não recebeu repasses. Segundo o governador Eduardo Leite, os projetos estão sendo atualizados e serão executados diretamente pelo governo estadual. A lentidão gerou críticas por parte do governo federal e aumentou a frustração dos moradores.

Essa demora tem efeitos concretos na vida das pessoas. Fátima Zanchetta, que também vive no bairro Fátima, conta que ainda vive sob o impacto psicológico da enchente. “Eu tenho insônia, eu tenho pesadelo, e os meus cachorros, quando o tempo preteia, ficam desesperados”, relata.

Diante do cenário de insegurança, a Comissão SOS Bairro Fátima/Rio Branco organiza um ato público para o dia 3 de maio, na Avenida Irineu Carvalho Braga. O evento marcará o recomeço após a tragédia, mas também servirá como nova cobrança por ações concretas dos governos estadual e federal. “Nós continuamos com os diques fraturados. Sem a liberação dos recursos, não vai ter reconstrução”, reforça Cláudia Burtet.

A mobilização de Canoas escancara uma realidade compartilhada por outras cidades gaúchas, como Porto Alegre, onde diques também falharam diante das chuvas históricas. Enquanto os projetos permanecem em disputa entre esferas de governo, comunidades inteiras seguem expostas a novos riscos, alertando que o tempo para a prevenção está se esgotando.

Share this content:

Publicar comentário